Minha primeira vez com Lewis...
04/06/14 12:07Zrzrzrzrzrzrz. Foi o mais próximo que consegui do barulhinho de “rewind”. Porque esta é a ideia aqui…
Então vamos lá… zrzrrzrzrzrzrzr, o ano é 2007, o GP é o do Canadá. Minha primeira temporada completa na F-1. Para ser mais exata, minha quarta corrida como “setorista” de F-1 da Folha (perdi Malásia e Bahrein naquele ano, porque eram muito caras…). Minha primeira corrida com o “fuso contrário”, ou seja, trabalhando sempre “atrás” do povo no Brasil.
Para quem não se lembra mais, Hamilton era “o cara” naquele ano. Primeiro negro a correr na F-1. Estreante, começou dando sufoco em Alonso na McLaren. Fez corridas brilhantes, chegou perto da vitória. Em Mônaco, só não ganhou porque a equipe resolveu dar preferência ao espanhol (aposta mais segura até então). O clima entre os dois já não era o mesmo da prova de abertura do Mundial. Muito pelo contrário. Depois de Montecarlo as coisas ficaram estranhas entre os dois.
Logo depois que Hamilton assumiu a liderança do campeonato, na Espanha, pedi à McLaren uma entrevista com o inglês. O email veio alguns dias antes do GP do Canadá. Sim, eu tinha conseguido minha entrevista!!! Nenhum veículo brasileiro tinha tido uma “exclusiva” com a sensação do campeonato até então. Eu, obviamente, fiquei mega emnpolgada.
Mas, como sempre, as coisas começaram a dar errado logo de cara. Cheguei na quinta-feira, dia da entrevista, em Montréal. O voo atrasou #fail e tive que, literalmente, largar as coisas no hotel e ir correndo para a pista (como o fuso canadense não ajuda a Europa, tudo acontece beeeeem mais cedo do que o normal para ajudar os europeus).
Deixei tudo na sala de imprensa e voei para a McLaren. A assessora que tinha me conseguido a entrevista não estava lá #fail2
Falei com o assessor que lá estava e, claro, ele não sabia da entrevista. Depois de muito blablabla consegui convencê-lo de que eu TINHA QUE falar com Hamilton naquele dia. O jornal estava esperando a entrevista e eu não podia refugar. Ele me “encaixou” num grupo que tinha os jornais de domingo da Inglaterra. Foi aí que descobri uma coisa que até hoje funciona. Os pilotos ingleses têm sessões separadas com a imprensa. A internacional, a inglesa “hard news”, leia-se jornais diários, sites e agências de notícias, e a inglesa de domingo, que faz matérias mais “profundas”. E foi neste grupo que eu fui colocada. Nunca tinha visto nenhum dos cinco jornalistas que lá estavam e fui tratada como um ET. Mas era isso ou nada. Assim que sentei, todos me olharam com ar de superioridade. Quem é você? Por que está com nosso grupo? O que você vai perguntar? Etc, etc e etc.
Depois de responder ao questionário, me ajeitei na cadeira e esperei que Lewis chegasse. Assim que chegou, ele cumprimentou a todos e, claro, virou pra mim e disse: e você é quem? Sou a Tatiana, da Folha de S.Paulo, jornal brasileiro. Ele sorriu e sentou-se.
A entrevista começou. Não lembro quanto tempo tínhamos naquele dia. Mas lembro bem que o email da Elen dizia que eu estava PROIBIDA de perguntar sobre a cor de Hamilton ou qualquer coisa que se relacionasse ao fato de ele ser negro, algo que, àquela altura era relevante e atual. Fiquei quieta pelos primeiros minutos da entrevista, que se arrastava sem nada de muito interessante.
Foi quando cansei e resolvi que era hora de agir. E, assim que tive uma chance, perguntei a Lewis como ele se sentia sabendo que tinha se tornado um modelo para jovens de vários países, inclusive do Brasil, onde as pessoas se identificavam com ele.
“Ainda não fui ao seu país, mas sei da situação dos brasileiros e há muitas crianças lá com as quais posso facilmente me identificar. As coisas ainda estão só no começo para mim, não sei bem o efeito que posso causar na cabeça das pessoas, é tudo tão fantástico… Mas espero que eu possa servir como um bom exemplo para essas crianças e que tome as atitudes certas.”
Pronto, eu tinha conseguido meu espaço na entrevista e os ingleses começaram a me olhar de outro jeito. Daí pra frente a entrevista virou quase uma conversa (sempre sinal de uma boa entrevista). Falamos de Robinho, do recém-alcançado status de celebridade e de Beyoncé.
Saí da McLaren feliz e voltava para a sala de imprensa quando o grupo de ingleses me alcançou no paddock. Perguntaram meu nome mais uma vez e me agradeceram por ter transformado a entrevista. Parêntesis aqui para dizer que naquele final de semana ele ganhou pela primeira vez uma corrida.
Muita gente diz que Lewis mudou desde que chegou à F-1, que virou um superstar, que o sucesso lhe fez mal. Já se passaram sete anos desde que fiz aquela entrevista. Fiz várias outras desde então. E toda vez que encontro com Lewis ele é gentil e educado. Na última corrida ele até elogiou meu novo corte de cabelo, hahaha.
Claro que Lewis mudou. Todos nós mudamos. Ele ganhou dinheiro, ficou famoso, foi campeão do mundo. Mas acredito que, por trás dos óculos escuros gigantes que usa hoje em dia, ele ainda é aquele mesmo menino que ficou fascinado ao conhecer Jackie Stewart. E seu desejo por vencer continua intacto.
Para quem não leu ou não se lembra mais daquela entrevista, a primeira parte está aqui e a segunda, aqui.