A Fan Fest de Berlim, que reuniu mais de 20 mil, eu entre eles (clique para ver grande)
Sei que este blog é de F-1, mas peço licença para fazer um parênteses. Eu deveria estar em Silverstone fazendo os testes da F-1, mas, ossos do ofício, fui enviada a Berlim para cobrir Brasil e Alemanha em território inimigo. Foi uma noite histórica, que para mim acabou só quando o dia já tinha raiado e os torcedores alemães enfim deixaram a rua do lado do meu hotel.
Foi a primeira vez que vi uma Copa longe de casa. Ironia do destino, a primeira que aconteceu em casa desde que nasci. Talvez por estar sempre em “solo inimigo”, pela primeira vez em anos não torcia tanto por uma seleção. Ontem, usei a camisa e a meia da sorte. Mas não deu.
Como hoje acho que o Brasil vive um dia de catarse coletiva, reproduzo aqui o texto que foi publicado hoje na Folha, na versão integral…
———————————————————————————————————————
“Qual o motivo da visita”, pergunta o policial da imigração no aeroporto de Berlim.
“Sou jornalista e vim para acompanhar o jogo da Alemanha com o Brasil”, respondo.
Ele confere minha foto e carimba o meu passaporte. “Boa sorte hoje à noite. Vocês vão precisar”, diz o policial, com um leve sorriso no rosto. Mal sabia o que me esperava.
Uma das primeiras coisas que se aprende na faculdade de jornalismo é que temos de ser imparciais. Mas, como é Copa do Mundo, desembarquei na Alemanha vestindo a minha camisa da seleção brasileira. E a amarela, para não deixar nenhuma dúvida.
“Brasil”, exclama Joachin Muhiddin, o taxista que me leva até o hotel. Nos 25 minutos de trajeto, ele me conta que, apesar de ser alemão, seus pais são turcos e, por isso, ele irá torcer para a equipe de Luiz Felipe Scolari.
“Foi uma pena o que aconteceu com o Neymar. Mas vocês ainda têm um bom time”, diz o torcedor do Galatasaray.
Berlim, assim como a maioria das cidades europeias, tem várias opções para quem quer ver os jogos do Mundial. São bares, restaurantes, Fan Fests e exibições públicas.
Como estou em solo inimigo, resolvo fazer o reconhecimento do território antes de decidir onde verei a semifinal.
Assim que deixo meu hotel, vejo três adolescentes vestindo a camisa da seleção alemã. Vários carros passam pelas ruas com bandeirinhas do país tremulando nas janelas. Retrovisores cobertos, enfeites em preto, amarelo e vermelho. A capital da Alemanha vive o clima de Mundial.
No caminho para minha primeira parada, um mendigo com a camisa de Özil vem falar comigo. Ele aponta para minha camiseta, mas não falo alemão e ele não fala inglês. Pelo sorriso, imagino que ele não esteja me xingando. Desapontado pela falta de interação, ele se contenta em mostrar seu copo de papel e me pedir algumas moedas.
Vejo vários Müller, Klose e Podolski nos quase dois quilômetros até a Mercedes Welt. Em sua maior concessionária em Berlim, a patrocinadora da seleção alemã armou um telão enorme para que os torcedores assistam aos jogos.
Assim que entro, reparo que todos os funcionários usam a camisa da Alemanha. Um deles se aproxima de mim e fala: “Camiseta errada”.
Apesar de o prédio de vidro à beira do rio Spree ser bastante agradável, acho que eu serei facilmente identificada lá dentro. Resolvo ir para a principal Fan Fest de Berlim, que fica entre o Obelisco da Vitória e o Portão de Brandenbrugo, dois dos principais pontos turísticos da cidade.
São mais três quilômetros em que me sinto como Neymar, visada pelos adversários. Não chego a sofrer faltas, mas quase sinto vontade de pedir desculpas a todos por estar na casa deles usando as cores da minha seleção.
Até que ouço um “Vai Brasil”. É Bruno Pedroso, 17. Ele está de férias na Alemanha, com a família, mas estão todos à paisana. O único indício de que são brasileiros é o lenço amarrado no punho do estudante. “Estamos indo para Hamburgo ver o jogo de lá. Boa sorte para nós”, diz ele.
Dos sete telões, escolho o mais próximo do Portão de Brandenburgo para ver o jogo. É cedo, mas a torcida começa a chegar. A atração, antes da partida, são as barraquinhas de salsicha e, claro, de cerveja. A chuva, não afugenta quem já está por lá.
À medida que a hora se aproxima, a tensão aumenta. “Torcedora do Borussia Dortmund”, me pergunta um Ballack. Sou minoria absoluta.
Um grupo se aproxima e uma das torcedoras, bandeiras da Alemanha pintadas no rosto, me mostra a brasileira em seu chinelo. E oferece para pintar meu rosto também. Acho de bom tom dizer sim.
Na hora que começa o jogo são milhares de pessoas na avenida. Já não dá mais para se mexer. Eles ainda cantam “Ole, ole, ole, super Deutschland, ole” quando sai o primeiro gol da Alemanha.
A garoa fina dá lugar a uma chuva de cerveja. Gritos, beijos, abraços. A festa nem bem termina e… gol. Os alemães mal acreditam. Mas só estava começando. Três. Quatro. A torcida não para de cantar. Cinco. A euforia é contagiante. Quase ninguém mais olha para os telões a esta altura.
Vem o intervalo e decido que é o lugar que estou que está dando azar. Demoro os 15 minutos para conseguir me mover. No caminho, recebo abraços, sorrisos de dó e alguns “bye, bye”. Um torcedor oferece um copo de cerveja. “Não é fácil perder uma Copa em casa. Sei como é”, diz.
O segundo tempo começa. Vem o sexto gol. Mas a comemoração já não empolga. Quando faltam 15 minutos para o fim do jogo, decido que já sofri demais e resolvo ir embora. Não sem antes receber um colar com as cores alemãs.
Antes de encontrar um táxi ouço gritos. Sete? Na van da polícia ao meu lado os policiais assistem ao gol numa TV pequena. Dou uma espiada só para confirmar. No táxi, o rádio está ligado no jogo. Nem percebo o gol do Brasil, tamanha a falta de entusiasmo do narrador. Mas, assim que a transmissão termina, começa o buzinaço. Tímido no começo, vai crescendo.
Pela janela do meu quarto vejo a torcida se juntando no cruzamento ao lado. Buzinhas, fogos, apitos. Todos cantam, festejam. O barulho é ensurdecedor, mesmo do oitavo andar. A noite vai ser longa. Para eles. E para mim.